Crónica gaga
-Há bastante tempo que não vamos ao cinema, disse eu.
-Não, disse ela.
-Hoje, que não temos cá os netos, podíamos ir.
-Podíamos. A que horas?-
-Talvez às da sete. Disse eu
-Mas que filme vamos ver?
-Um dos nomeados para os Oscars
-Qual? Não vou sem saber o que vou ver?
-Pronto. Sobrou para mim! Tenho que me armar em crítico de cinema e escolher o filme para a menina!
-Eu tenho que ter uma ideia. Não achas? Perguntou ela
-Tá bem. Eu faço uma pesquisa na Net
-Vê o que dizem sobre o Discurso do Rei. Ouvi falar muito bem dele.
Depois de analizar os guiões dos filmes nomeados, passei à explanação sintética.
-Olha, o Discurso, é sobre um princípe que era gago, mas graças a um terapeuta de fala, com métodos pouco ortodoxos, tipo Hugo Chavez, ficou falar como o Sócrates a vender o Magalhâes. O filme Indomável é uma cabóiada sobre a caça a um bandido, que matou o pai duma criança de 14 anos. Esta pediu a ajuda a um sherife zarolho e amigo dos copos! Pelo meio mete um Texas Ranger, na caçada ao bandido até território índio, a ver quem apanha o bandido primeiro. Além destes dois filmes temos o Budapeste
-Sim, esse em que entra o Nicolau Breyner. Disse ela
-Pois, nesse há gajas boas em Budapeste e no Rio de Janeiro, onde se passa a acção, com cenas eróticas, entre amores e desamores e com divórcios à mistura.
-Deve ser interessante.
-O Discurso do Rei é um exemplo de como uma pessoa ultrapassa as suas dificuldades e tem um acentuado cunho histórico e verídico. Reforcei.
Ou então, o Indomável também deve ser engraçado pela acção e paisagens.
-Não. Há muitos tiros. Estou farta de ver morrer gente sózinha, em casa. Era o que me faltava agora ver tiros ao alvo. Mais tarde vês tu o Indomável, sózinho.
-Então? Que escolhes?
-Vamos ver e ouvir o Discurso.
-Então vamos lá, à sessão das sete.
Fomos. Chegamos ao Parque Nascente, dirigimo-nos às bilheteiras,
mas, para espanto nosso, estava tudo vazio!
Tudo às moscas e ninguém para nos atender!
-Ó da casa! Está cá alguém? Chamei eu. Tipo padeiro que vai a casa levar o cacete.
Lá veio uma menina, que estava sentada na retaguarda, na zona das pipocas.
-Faz favor
-O negócio está mal. Comentei. Não está cá ninguém. Não há cinema?!
-Há. O que há é futebol! Quando tal acontece é sempre assim!
-Queria dois bilhetes, de borla, com desconto para reformados.
Um sorriso aflorou seus lábios com a minha brincadeira.
Recebeu os nove euros e lá fomos para a sala cinco, mas, antes perguntei se éramos só nós dois.
-Não. Estão lá dois casais
-Ui! Que fartura!
Entramos na sala, e, passados dois a três minutos, começou filme, que seguiu a sua trama até ao intervalo dos seus 110 minutos de duração.
-Queres vir até lá fora? Perguntei
-Não. Fico.
-Eu vou só saber como é que está o Porto- Sevilha e volto já.
-Tá bem.
Saí. Ninguém a controlar os corredores e ninguém nas bilheteiras!
Aliás, o mesmo tinha acontecido na entrada.
Seria fácil, muito fácil, pensei eu, a malta ser assaltada e limpa dos couros!
Quando regressei, recomeçado filme, para espanto de todos, não se percebia o diálogo entre as personagens! Parecia um disco de 45 rotações a rodar em 33. Era chinês!
Aguentámos três ou quatro minutos, na expectativa de que a anomalia fosse corrigida. Tal não acontecendo, comecei a mexer-me na cadeira e a dizer que ia reclamar.
Aí, a minha doce metada, a sempre doce e representante dos brandos costumes, pediu-me:
-Aguarda mais um pouco.
-Não. É já.
Levantei-me e foi, outra vez pelos corredores vazios, até à retaguarda das bilheteiras, onde encontrei um jovem funcionário (mais um dos descartáveis da ZON?) e disparei:
-Ó chefe. Que é que se passa com o Discurso do Rei? Realmente, o filme é sobre um gago. Não se percebe nada dos diálogos!. Comentei ironicamente e prossegui:
-As legendas estão bem, mas o som não. Veja lá o que se passa.
Ele, solícito, pegou no intercomunicador e debitou blás blás para quem de direito. Passado pouco tempo, informou-que o o filme iria recomeçar desde o ínício do intervalo.
-No final vou reclamar no livro, e como indemnização quero um bilhete para a próxima sessão. Ameacei.
Quando reentrei na sala, no écran estava a palavra Intervalo.
Enquanto subia degraus até ao meu lugar esclareci os restantes espetadores (é assim que se escreve, de acordo com o acordo?) que o problema seria resolvido com a substituição do projecionista, que também era, estava ou teria ficado gago!
Mas, foi um bom filme, engraçado, sobre um princípe gago e com gaga projecção!
Ma...ma...mas...eu....
qu....que.... me.. me....se...se...sentia ...ga...ga..gago...
de..de...sis..ti ..
da...da...re...recla...ma...ma...ção|
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Autor: Silvino Taveira Machado Figueiredo
Gondomar
Fixe, esta tua crónica, pelo título até pensei que se tratava de um dia na vida de Lady GAGA...
ResponderEliminarEngraçado, de todos os nomeados para estes óscares, também tenho muita curiosidade em ver o do rei gago, também por causa do actor, á certo.
Veiveijijios
Cena gaga...
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