Só atendeu o telefone por não conhecer o número.
Embora ele não o tivesse descoberto
se ela não lho tivesse dado, o facto
é que ela só lho indicara por
presumir que, depois de 30 anos em que um Cúpido enganador lhe insuflara aquela febre
de amor doentio e sem eco, já tivesse passado.
Se ela conhecesse o número que a estava a atacar de novo, o telemóvel
tocaria indefinidamente até se cansar e pensar que não estaria ninguém em casa.
Era o que dava, ela ter objectos sofisticados que não sabia manipular. Por isso
nunca gravara o número, que hoje a
arrancara da leitura do seu mais recente livro.
Por uma estranha carga de água, ele e ela têm uma afilhada em comum.
Lá no emprego onde se conheceram há 30 anos atrás,
calhou ela ser amiga da rapariga de
quem, daí a pouco, seria comadre, e ele
amigo do pai da criança que, igualmente havia de ser sua afilhada.
Foi o pai a escolher primeiro o padrinho, ele. Com uma condição: o padrinho teria
de escolher a madrinha. E ele
escolhera-a a ela.
A mãe da criança, mal ficou grávida, teve-a a ela como única pessoa a apoiá-la naquele
emprego onde toda a gente a criticava, por o pai da criança ser casado. Por isso, ela aceitou
logo o convite e, um dia, na igreja da terra, ele e ela tornaram-se nos padrinhos oficiais
de Raquel.
Entretanto, 30 anos passaram desde que ele e ela se conheceram pela primeira vez lá no emprego.
Um dia, quando todos deram conta, já se tinham
passado 27 anos e Raquel ia casar, convidando entretanto os padrinhos de
baptismo para o casamento. Foi aí que ela
lhe indicou o número do telemóvel, porque o de casa nem pensar.
Agora, volta e meia, ele telefona-lhe, como no dia em que a arrancou da leitura para a forçar a ouvir os mesmos pretextos esfarrapados do costume, a
que agora acrescenta uma coisa a que ele chama ter saudades.
Ela, depois de lhe ter um dito frontalmente que ele apenas a convidara para madrinha de
Raquel por estar convencido de que, uma vez que tinham uma afilhada em comum, ela lhe iria abrilhantar os jantares,
além de lhe dizer ainda que ambos se encontravam a anos-luz um do outro, já nem
se chateia com a insistência.
E vão andar assim, até ele ter a lata de a
convidar para jantar ou almoçar e ela
lhe dizer, em voz curta e grossa e pela milésima quinta vez:
Não!
E mais uma vez ele vai ouvir o que não gosta, depois de continuar a engendrar os
mais esfarrapados pretextos para lhe pôr a vista em cima.
Enfim, há sempre um «chato» desconhecido, algures, atrás de alguém...
ResponderEliminarMas não havia necessidade...
ResponderEliminarAbraço
Rafaela Plácido