É o que dá, estar fora de casa, longe das minhas coisas e do
silêncio onde bebo inspiração para os meus projetos mais ambiciosos. Sinto-me
mais limitada, embora esse limite seja benéfico, por vezes. Sobretudo no que
não devia fazer e faço, como fumar uns cigarros quando me apetece. Aqui, onde estarei
provisoriamente até terça-feira, todos são contra o tabaco e eu, incapaz, por
agora, de me impor mais um período de abstinência, tenho que descer três lanços
de escadas e ir até a um jardim circundante do prédio para lançar no ar umas
das minha fumaradas diárias.
Acabei agora mesmo de fazer isso. E, enquanto estava lá
fora, depois de passar por uma mulher que estava a jogar à bola com o filhito,
parei à beira de um arbusto podado em redondo, onde quatro moscas varejeiras
faziam uma pausa ao sol deste incrível dia de Páscoa. Três delas tinham uma
carapaça, ou lá como se chama aquilo, esverdeada e luzidia, enquanto a última
era mais acastanhada. Às tantas, eram mãe e filh(a)(o)s a brincar, tal e qual como os dois que eu tinha
encontrado anteriormente ao lado do
prédio.
Entretanto, olhando em frente, um pouco abaixo dos prédios
de quatro ou cinco andares aí existentes, vejo o jardim de infância do bairro com o seu baloiço e pinturas de crianças e, ao lado, observo igualmente um pombal, que um columbófilo cuidadoso trata diariamente
com o desvelo de um pai.
De manhã, quando fui ao hipermercado comprar pão fresco, vi
as pombas em bando, falando umas com as outras na sua específica
linguagem de ave sem mais nenhum limite senão o céu. Andavam soltas no ar, circundando-o,
e aquela hora devia ser uma das muitas horas de liberdade que o dono lhe
concede diariamente. Igualmente, não deviam andar com fome, pois pareciam contentes
e felizes no seu voo do meio-dia. Não, não andavam ali à espera de uns grãos de
milho ou de uns bocados de pão para comer das mãos de um transeunte qualquer
cujo prazer diário consista em alimentar pombas públicas. As aves do vizinho aqui
do bairro, embora isto seja uma zona urbana de excelência, são privadas, não
dependem da caridade alheia e o dono, daqui por um bocado, quando o sol começar
a cair no horizonte ali para os lados da Foz do Douro, vai pegar no seu apito e
chamá-las, até elas, uma a uma, regressarem ao lar para depenicarem qualquer
coisa numa ceia sagrada que as deixará saciadas até amanhã.
De resto, os outros pássaros dialogavam entre si no que me
parecia uma amena cavaqueira e, quando regressei, com os cigarros e o isqueiro
no bolso, já depois de passar pela rapariga que antes vira a jogar à bola com o
rapazinho, estando agora ambos
sentados a fazer não sei o quê,
entrei no prédio e encontrei o filho da vizinha, pronto a ir passear uma cadela
rafeira, a companhia dele e da mãe desde a morte do pai há seis anos.
Eu devia mesmo cheirar a cigarros, ou, então, o rapaz, da
janela, viu-me a cometer o pecado das 18 horas, porque, entretanto, pede-me um.
E, eu, em dia de Páscoa, talvez para não parecer forreta, dei-lhe, não um, não
dois, mas sim três cigarros, como quem dá amêndoas com a firme convicção de que
não estarão envenenadas. Ou, se o estiverem, cada um sabe os riscos que corre e
então fica completamente por sua conta, aconteça o que acontecer.
Também não sei se as moscas já deram à sola para o seu
esconderijo, agora que uma gaivota, lançando no ar o primeiro pio, indica que a
noite se aproxima e que estará na hora de recolher.
E pronto, ainda é um bocadito cedo, o homem do apito ainda
não mandou regressar a casa um pombal inteiro e eu, com a abstinência do tabaco
cá em casa e para não estar sempre arranjar subterfúgios para responder às
perguntas cuja resposta toda a gente conhece, hoje, até á presente hora, acabei
por fumar talvez só uns seis cigarros.
Enfim, há limites que são nossos amigos e vamos ver se,
nestes três ou quatro dias de redução forçada, a minha garganta fica outra vez
capaz de emitir uma voz fina e doce como o pio de uma pomba, das muitas do
pombal do vizinho que, daqui a pouco, ele chamará uma a uma, até as contar
todas e lhes dizer BOA NOITE, como quem acaba de contar uma história a um bando
de crianças livres e, ainda, sem minhocas na cabeça…
Um dia,
ResponderEliminara juntar a outras lendas,
vão contar a magia
dum milagre,
sobre a Páscoa e suas prendas,
que Santa Rafaela,
num final de tarde,
transformou cigarros em amêndoas!
..........xxxxxxxx..........
Gostei
FigasRegards
Ahahahah
EliminarDe Santa
Eu nada tenho
Aliás nem sequer simples regaço
Sorte teve mas foi o vizinho
Em vez das amêndoas que ele não queria
Ter ainda Rafaela alguns cigarros no maço...lol
Abraços e obrigada