Que me lembre, entre outras coisas,
reacção em cadeia era o título de um filme já com alguns anos. Nunca o vi. Era
demasiado pessimista para a minha esperança. Tratava, segundo creio, de mostrar
as sequelas dramáticas de uma guerra nuclear hipotética que, desejamos todos,
nunca se desencadeie, para o bem da humanidade e sobrevivência do nosso amado
Planeta Terra. Amado sim, embora maltratado, nesta estranha maneira que os
homens tem de amar, lixando.
A propósito, o meu edil não se dignou ainda
colocar aqui na zona aqueles recipientes para a separação dos lixos. Assim, o
meu continua a aparecer lá no cemitério de resíduos completamente indiferenciado.
O sujo com o limpo e o limpo com o sujo, sem outra utilidade que não seja ser
simplesmente lixo. Ou sairá dali algum fertilizante para as terras? Seja isto,
ao menos. Mas eu podia mandar o plástico a um lado, o cartão noutro e,
finalmente, o vidro num outro. Se isto é como é, a culpa não é minha e os meus
vizinhos, tendo já mostrado estarem-se nas tintas para uma boa dezena de
coisas, é óbvio que para estas terão uma razoável paleta de cores no seu
conceito de ecologia. Todas negras sem dúvida.
A reacção
em cadeia que me despertou hoje o desejo de escrever não tinha nada a ver
com o lixo. Era, antes de mais, uma tentativa de ser uma cronista tão hábil
como António Lobo Antunes (meu Deus, quanta imodéstia!) o tal escritor
escrevente ao ritmo do seu pensamento. Daí ele ser tão difícil de ler. Sendo o
pensamento por vezes demasiado doido, terá de se ser igualmente demasiado bom
para se escrever um livro coerente. Isto se não se quiser deixar o leitor aos
papéis com a dispersão entre o passado de agora, o futuro daqui a alguns
segundos e o presente depois. Mas, também, perante livros assim, não sei quem
terá de ser melhor, se o escritor se o leitor, que às vezes tem de se comportar
como um autêntico adivinho das loucuras do pensamento dos outros.
Bom, hoje o meu tema era a reacção em
cadeia e, mais concretamente, o H5. Lobo Antunes apareceu só por acaso e por eu
me ter deixado levar pelo ritmo dos meus próprios pensamentos.
Não sei quem me meteu lá no H5, onde
andei uns anos quase sem saber. Ou, pelo menos, sem me lembrar de ter dado esse
grande passo no reino da Web. Eu não fui, de certeza, visto ser uma nódoa a informática,
bem maior do que a Cordilheira dos Andes. Ou mesmo do Monte Evereste. Foi
talvez o Pedro, o meu amigo da informática lá do sítio e do tempo da outra senhora,
a quem me vendi durante quase 30 anos, até conseguir o meu passaporte para a
liberdade. Mesmo que o horizonte último dessa liberdade seja o céu. O céu é
mesmo uma coisa boa para quem acredita no além. É o meu caso. Faz-me bem pensar
na hipótese um dia conhecer S. Pedro com as costas livres da minha espondilose
crónica e, sobretudo, sem dores. Além de querer, nesse dia, entabular conversa
com ele em inglês. Sendo uma língua universal, com certeza também já foi adoptada,
quer no éden, quer no Inferno. Eu tenho de me safar muito bem pois, se não me
conseguir fazer entender na hora de evocar os meus pecados e virtudes, corro o
risco de ir para o caldeirão onde caem e rangem os dentes de toda a gente, com
e sem cáries.
Mas sim, foi certamente o Pedro a
registar-me no H5. A primeira razão foi talvez o facto de eu ser mais um ponto
no seu rol de amigos, mais uma foto a cores no mural para todos verem quanto o
Pedro era bem e longamente relacionado. E eu também beneficiaria com isso. Um
amigo acrescenta outro amigo, os amigos comuns multiplicam-se, até já ninguém
saber quem é quem e por que se anda ali a fazer nada.
Tudo isso aconteceu antes de eu saber
quanto apreciava o silêncio da minha casa, onde gosto de me encontrar a sós
comigo. Se na altura já soubesse isto tão claramente, não teria dado o meu aval
ao Pedro, facultando-lhe ainda uma foto com ar de festa para ele colocar no mapa-mundo
da Web, onde eu teria tantos amigos como demónios tem o diabo na sua legião.
Nessa altura não sabia quanto me entediariam as fotografias de inúmeros homens
a navegarem por ali numa clara atitude em que o engate, mais do que implícito,
é demasiado ostensivo para eu me sentir bem nesse ambiente. Mas tudo isso só o
soube depois, num dia qualquer e quando recebi a notificação de que alguém
tinha visto o meu perfil. Um homem, com certeza.
Se até ai tinha estado algo preservada
do H5, nessa altura devo ter feito inadvertidamente qualquer coisa que
contribuiu para encher diariamente a minha caixa do correio.
Depois, tive de me confrontar comigo
mesma, naquela foto seca, sem nenhuma palavra a definir-me. Estava na altura de
a vestir com alguns farrapos.
Vendo bem, os que usei eram excessivamente
provocatórios: Era ecléctica na música. Gostava de tudo, menos de fado, que me
servia unicamente de pretexto para os encontros com amigos. Nos livros era
igualmente versátil e falava naquela delícia de A Cidade e as Serras, mais as considerações de Jacinto acerca da
civilização, demasiado entediante para ele nos seus últimos tempos de Paris.
Quanto ao andar pelo H5 – escrevi então
– devia estar doida no dia em que permiti ao Pedro a inscrição naquele centro de engate. Sobretudo depois de já
ter sido comprada por não sei quantas pessoas como se fosse uma vaca mirandesa
ou, para não ser tão vulgar, como um jogador de futebol que se vende aos clubes
como se estivesse a vender a alma ao diabo. A maioria dos meus compradores eram
homens de todas as idades e o mais novo tinha apenas 19 anos, prontificando-se
a proporcionar-me, além do mais, alguma coisa para lá de ser meu dono virtual. Cheirou-me
logo a carne e nesse dia decidi que não iria transformar-me em canhão de
ninguém. Estava na hora de cancelar a conta.
E
eram umas centenas de gajos, sobretudo,
a
andar por ali. Bonitos e feios, feios e bonitos, velhos e novos. Enfim, quanta
fome encoberta e quanta gente infeliz.
Um dia, depois de tantas fotos ver e
recusar convites de amizade, recuei uns anos no tempo, quando, depois do
jantar, ia ao café encontrar-me com os amigos e trocar dois dedos de treta, que
se prolongavam até à hora do fecho, por volta da meia-noite. A manhã seguinte
tinha na agenda os compromissos habituais, a escola, o trabalho, e era preciso
acordar com ar sereno para a enfrentar sem fastio. Às vezes mudava-se de lugar
e de amigos, embora a conversa e as anedotas fossem talvez as mesmas, mas em
cenário diverso. Não acredito que tivessem sido sempre isentas de vazios mais
ou menos pesados, porque os vazios não são exclusivos do presente. Só que no passado
tentavam preencher-se cara a cara com outros vazios, mais humanos e com um rosto
que não se circunscrevesse a uma foto, por muita alma que essa foto pudesse
ter. Era um convívio que nos deixava, apesar de tudo, mais saudáveis e muito
menos solitários, quando o computador e a Net eram apenas uma miragem e o
telemóvel estava ainda anos-luz de um uso tão generalizado que a mim me permite
ter dois. À noite, as ruas da cidade não ficavam desertas, havia um café em cada
esquina, menos do que os milhares de computadores de hoje em dia onde cada um
se esconde, quantas vezes numa solidão altaneira.
Hoje em dia, a noite na cidade vive
morta durante cinco dias, para ressuscitar no final da semana em sítios onde a
palavra de ordem é o álcool, que a mesma gente dos vazios de sempre emborca sem
conta na medida numa cultura de miséria: é o amor que não existe ou anda desencontrado,
a vida em casa que é uma bodega, com muitos pais à turra e a massa
constantemente, o emprego que ainda não surgiu ou que se perdeu nas fábricas fechadas
ao ritmo de uma leucemia galopante e nos contratos a prazo ou a recibos verdes.
Depois, são umas quantas almas
martirizadas e remetidas para esta coisa invasiva da internet e para as ruas da
cidade às sextas-feiras e sábados, onde o lixo e as garrafas vazias se tornaram
a imagem do fim-de-semana, quando o sinónimo de diversão é o culto à bebedeira.
Foi o que eu vi numa das minhas últimas
incursões pela noite. Muitos jovens a quem não se avizinha um futuro risonho e
para quem o conceito de lúdico parece
passar essencialmente pelo álcool. E isto deveria ser rapidamente alterado. Quando
muito, se não houver um meio-termo entre os dois, preferiria que os mais novos
dos nossos tempos ficassem na história como a Geração do Iogurte e não como Os
2,5 Decilitros de Álcool no Sangue.
Enfim, é a minha reacção em cadeia de hoje,
tempo em que os cafés fecham ao cair da tarde e a cidade fica vazia, porque
velhos e novos se quedam atrás de um computador a encher os vazios possíveis. Uns
até sexta-feira e outros de segunda a domingo.
Foi o que saiu no último feriado do Corpo
de Deus, suspenso por cinco ou seis anos, até as vacas do país voltarem a
engordar. Ou, pelo menos, a terem alguma saúde, depois da loucura onde
mergulharam nos últimos tempos. Que Portugal faça ao menos boa figura no
Europeu e que se mude a capital do país para o Porto, onde haverá certamente
menos corruptos por metro quadrado.
Finalmente, também há os amigos da
internet, alguns bem queridos, e um sítio fixe para se postarem umas coisas. Se
não forem como as de Lobo Antunes paciência. Cada qual nasceu com os seus genes,
mesmo que não tenha nascido com génio nenhum para as letras, ou mesmo que os parágrafos estejam todos desalinhados.
Aveiro, 7 de Junho de 2012
Pronto, pronto. Calma!
ResponderEliminarNão vim aqui para fazer revisões, embora ainda esteja embalado pela viajem anterior com o mesmo destino.
Só venho pedir desculpa por empurrar o seu texto um pouco mais para baixo, tornando-o, menos visível para os visitantes (poucos mas bons).
Gostei da sua "Reação em cadeia" e "Chain reaction" também não era nada mau. O Freedman nunca me engana!
Boas, muito boas, as considerações sobre Lobo Antunes, que gosto de ler porque me puxam pelo "caco", ainda que tenha alguma dificuldade em compreender os parágrafos desalinhados
Todavia vou pedir com muito empenho que na frase, “Amado sim, embora maltratado, nesta estranha maneira que os homens têm de amar, lixando”, singularize o sujeito para que a mulher possa também ser integrada nesse grupo animal que o vulgo classifica de bicho homem.
Não é que tenha algum complexo, mas na verdade, apenas lixei madeiras e aglomerados numa das minhas distrações como reformado. Penso eu, sem ter a mania que sou perfeito. Mas esforço-me.
Desculpe a brincadeira, que alguma confiança entretanto adquirida, me permite considerar inofensiva.
Grande abraço,
António Mata
Olá, já tive aqui um comentário, que foi para o espaço, a expensas da minha azelhice. Mas prontes, como diria a Lili solas e cabedais.
ResponderEliminarOs parágrafos mal alinhados são mesmo os meus, e não de Lobo Antunes. E é claro que nunca foi minha intenção excluir as mulheres da acção de "amar mal o planeta", uma vez que elas também fazem muito lixo, designadamente, doméstico. Por isso, ficam desde já equiparadas e, assim, para tudo ser justo, doravante, como me refiro muitas vezes ao Bicho Homem, passarei também a designar uma Bicha Mulher.
Abraço e Bom fim de semana
Rafa
Olá, já tive aqui um comentário, que foi para o espaço, a expensas da minha azelhice. Mas prontes, como diria a Lili solas e cabedais.
ResponderEliminarOs parágrafos mal alinhados são mesmo os meus, e não de Lobo Antunes. E é claro que nunca foi minha intenção excluir as mulheres da acção de "amar mal o planeta", uma vez que elas também fazem muito lixo, designadamente, doméstico. Por isso, ficam desde já equiparadas e, assim, para tudo ser justo, doravante, como me refiro muitas vezes ao Bicho Homem, passarei também a designar uma Bicha Mulher.
Abraço e Bom fim de semana
Rafa
ihihihihih :) realmente ao tempo que cá n punha a pata :)
ResponderEliminarA Korujita teve a ideia... montou o blog... durante algum tempo funcionou como ponto de encontro. Entretanto o Facebook, (entre outros) com as suas tendências imperialistas, monopolizou o espaço cibernáutico, e o Líricos do Campus encolheu e feneceu. Será que uma respiração boca a boca ainda o reanimará?
ResponderEliminarRevisitei o Líricos do Campus e comentei.
ResponderEliminarBons tempos!
Bons tempos mesmo
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