
Surpreendeu-me este teu tão oportuno "acesso de memória". Quando li o que
escreveste sobre mim no último sábado, não quis acreditar.
Afinal, falavas de
quê? Acusavas-me de te ter afastado da rádio, há oito anos - oito anos -,
habilidosamente, porque criticavas o Governo de Santana Lopes?
E tu, que
percebeste a "jogada", saíste sem barulho? Para o "implacável" e "inconformado"
Miguel Sousa Tavares, é, no mínimo, estranho. Oito anos depois - oito anos -
acordaste, finalmente? Confesso, portanto, que fiquei surpreendido. Mais do que
surpreendido. Ofendido. Afinal, oito anos, para a nossa idade, já é
obra.
Como me consideras um jornalista menor, vou ter de te explicar o que
fiz para verificar os factos e, obviamente, responder-te. E provar que estás a
mentir.
Primeiro passo: recorri às minhas agendas - oficiais e particulares -
para verificar datas, reuniões, etc.. Segundo passo: consultei nos arquivos da
rádio os alinhamentos das emissões, para ver onde se situavam as tais crónicas
de que falas, tão "incómodas" para o Governo e, claro, para mim.
Pois bem:
não tinhas qualquer espaço fixo para crónica. O que existia, à época, no que
respeita a espaço fixo de comentário político, era o Veredicto, emitido às
08.40, cuja composição era, ao longo dos cinco dias úteis da semana: Carlos
Magno, Raul Vaz, Nicolau Santos, Luís Delgado e José Manuel Fernandes.
No
espaço de tempo de que falas, e até muito antes, apesar de manteres uma avença
mensal fixa com a rádio - talvez irrelevante para ti, mas pesada para a rádio -,
só comentavas a atualidade política a pedido dos editores dos diferentes espaços
informativos.
E, vê lá tu, Miguel, o que me recordaram os que ainda lá estão:
"O Miguel? Mas ele raramente atendia o telefone de manhã..."
Estavas mais ou
menos disponível à noite, que, como sabes, é um péssimo horário para a rádio, em
termos de audiência. A manhã, como deverias saber, é o
prime time da
rádio.
No ano de 2004, tenho registado na minha agenda três encontros
contigo: o primeiro, dia 1 de março, em tua casa, para onde me convidaste para
almoçar uma deliciosa perdiz, cozinhada por ti.
O segundo, que tenho com
interrogação (eventualmente não se realizou), às 16.30 do dia 23 de
setembro.
O terceiro, às 15.30 do dia 28 de setembro. Reunimo-nos no meu
gabinete e convidei-te para integrar um painel de um programa de debate dos
temas da semana, que queria lançar na rádio. Apenas isto. Aquilo que tu afirmas
ter sido "uma conversa circular, acabando por confessar que achava que a minha
crónica devia ser substituída por outro tipo de intervenção qualquer, talvez
enquadrada com outros, e na qual ele iria meditar", foi apenas este convite. O
programa seria o Contraditório, que arrancou no dia 22 de outubro de 2004, com
um painel composto por Carlos Magno, Luís Osório e Luís Delgado e moderado por
mim. O programa ainda hoje existe, moderado por João Barreiros, com Luís
Delgado, Raul Vaz e Ana Sá Lopes.
Mas, Miguel, esqueci-me de que tu estás
muito acima do comum dos mortais jornalistas.
Quanto à hipótese de confronto
de ideias, nem pensar. A tua especialidade é, sem dúvida, falar sozinho.
Na
altura, quando decidiste sair da rádio, não deixaste transparecer qualquer
problema de consciência. Ias dedicar-te, com mais afinco, à escrita. Depois
disso, almoçámos duas vezes: a primeira, no dia 13 de fevereiro de 2006, e a
segunda, suponho que em novembro de 2007, porque tenho um registo no dia 14.
Neste último almoço, perguntei-te se encaravas a hipótese de regressares à
RTP, ou num espaço de comentário ou de debate, como já tinhas protagonizada na
SIC, nos anos 90. Disseste-me, na altura, que não querias sair, de imediato, da
TVI, até por solidariedade com José Eduardo Moniz. Lembraste-me também de que a
RTP não deveria conseguir pagar-te o que ganhavas na TVI. E assim nos
despedimos. Cordialmente.
Estes são os factos, que um anónimo e irrelevante
jornalista como eu registou.
A minha iniciação no jornalismo, há mais de 30
anos, na rádio e nas agências noticiosas, foi mesmo na escrita de notícias. Sei
que, na esmagadora maioria dos casos, não dão notoriedade a quem as faz. Dão
trabalho. Exigem rigor. Implicam ter fontes, confrontá-las. Mas são elas, as
notícias, que ainda movem o mundo.
Portanto, Miguel, acusas-me de te ter
silenciado na rádio pública. Porque eras incómodo. Pois bem. Silenciado já
estavas, por tua exclusiva vontade. De manhã, não estavas para ninguém. Quando
quis que tivesses voz num programa de debate, não aceitaste.
E assim se faz
mais uma história de "silenciamento" e, porque não, de "censura". E assim
continuas a fazer o teu jornalismo superior. Calculo que também entendas, por
maioria de razão, que "Portugal também muito te deve".
Falas também de
consciência.
Pois bem. Falemos então de consciência e, também, de
coerência.
Em maio de 1991, numa entrevista à revista
Kapa, quando
te perguntaram "o que é hoje a RTP?", afirmaste o que passo a transcrever: "Não
existe a RTP. Existe a TV do José Eduardo Moniz. Está ali para se servir, e o
preço que tem a pagar é servir o poder, seja o PS que o meteu lá, não
esqueçamos... seja o PSD ou outro qualquer. Este tipo de gente serve todos os
regimes. Mas ele não é eterno: não pode ir mais acima porque já está no topo da
empresa, é quem manda mais. Portanto, a esta hora já deve andar a namorar as
privadas. E ainda vamos assistir ao cúmulo da imoralidade - que é o José Eduardo
Moniz, o homem de mão, o homem que moldou a RTP à sua semelhança, depois de
minar a TV pública e liquidar a sua credibilidade, sair para outro canal e
passar a concorrer com a própria RTP."
Passados nove anos - nove anos -,
caías nos braços desse mesmo José Eduardo Moniz, na TVI. Ataque de amnésia? Ou
outros valores, bem mais altos, se levantaram?
Consciência,
Miguel?
Espero que continues em paz com a tua.
A minha, garanto-te, não me
pesa.
- artido do "DN"
-
Muito gostava eu de assistir a
um frente a frente entre estas duas biscas, de um ouvi dizer que era mentiroso,
de outro que era borrachão, já não me lembro quem era o quê, esta minha
cabeça...
PS: A RTP
deve estar mesmo à rasca ou o Marinho já nem liga à imagem, que barba, mesmo desleixado.
A bandeira do FCP, é só para alguns não se esquecerem do golo em fora de jogo.